Você sabe, o problema do casamento é a convivência, o dia a dia.
Todo mundo diz isso, mas é claro, deve haver exceções.
Será?
Você e a Bia, por exemplo, quantos anos de casados?
Vinte e quatro.
Vinte e quatro anos, um bom tempo, e vocês vivem bem, vocês transmitem...
... o que, transmitimos o quê?
Sei lá, vocês...
Nós, nada, não seja bobo. Vou te fazer uma confidência...
E daí, morena, na batalha?
Como sempre. O que que tu manda?
Vamos nos amassar?
Por que não?
Indo ao ponto: quanto você...?
Que tipo de serviço?
O que pintar.
Não gosto de tratar preço aqui fora. Vamos entrar?
Em que hotel? Esse ali ou aquele da esquina?
O da esquina. A gente entra junto ou tu quer que eu vá primeiro?
De novo, cara, você acha que sou otária?
Por favor, não perca a classe. Da última vez você prometeu não repetir o piti.
Dane-se a classe, agora a cada quinze dias você vai a Beagá e quer que eu...
Acredite, amor, é o trabalho. Fui escalado pra fiscalizar a filial de Minas,
Filial de Minas, filial de Minas...
não posso fazer nada.
... não sou burra, essa filial de Minas tem peito e...
Chega, vou desligar.
Alô, alô, covarde!
Já te disse, eu também quero, mas tenho medo.
Boba, medo de quê?
Os velhos lá embaixo, e se de repente alguém sobe pra cá?
Que nada, estão jogando pôquer, quando jogam pôquer eles esquecem da gente.
Podiam esquecer sempre. Chatonildos.
Vamos, mostra.
Mostro, mas você fica aí. Só olhar, não vale passar a mão em mim.
Juro, só olho.
Jurou, tem de cumprir. Fique de costas e conte até 30. No 30 você vira pra mim.
Até 30? É muito.
Ou até 30 ou não mostro.
Tá certo. 1-2-3..........7-8-9..........12-13-14..........
Pode.
Uau. Você é a primeira mulher que eu vejo assim.
Nem tua mãe?
Ah, ela não conta.
Nem mãe nem pai. Eu também já vi meu pai.
E a internet também não conta. Você é a primeira mulher que eu vejo assim ao vivo.
Gostou?
Nunca vou esquecer.
Agora chega, é a tua vez. Mostra. Conto até quanto?
Não precisa contar, olha. Olha logo.
Bonito.
Quer pegar?
Oi, amor, chegou bem?
Cheguei, amor, o voo foi tranquilo.
Me perdoa?
Perdoar o quê?
Você sabe, o piti, a ciumeira.
Tudo bem, mas não repita, promete?
Prometo. E você está fazendo o quê?
Vendo televisão, fazendo hora pro jantar.
E depois do jantar, vai aonde?
Em parte alguma. Janto no hotel mesmo e subo pro quarto. TV até a hora de dormir.
E vai pensar em mim?
Claro, amor, eu sempre penso em você.
Pense bastante... daquele jeito.
Diga, eu gosto quando você diz.
Fazendo teatrinho. Pense em mim fazendo teatrinho.
Diz mais.
Você faz aí, eu faço aqui. Um teatrinho bem gostoso, combinado?
Que tal, gostou?
Gostei. O hotel é ainda mais xexelento do que eu imaginava. Nota dez.
Dez pra você também, você foi perfeita. Lá fora e aqui dentro, na hora agá.
Não fui não. Aquele papo de não tratar o preço na calçada soou falso.
Você acha?
Claro, a profissional de verdade acerta a grana antes de entrar no hotel.
É, deve ser.
Vacilei. Da próxima vez corrijo essa falha.
Falou. Você dá o preço, eu pago sem discutir.
Mas, mesmo com o vacilo, valeu...
Que bom.
... estou me sentindo a piranha, bem como eu queria.
Parabéns.
Vamos lá em casa tomar um vinho pra comemorar.
... uma confidência que jamais fiz pra qualquer um dos meus amigos.
Caramba, que privilégio o meu.
Pois é, então ouça: eu não como a Bia há uns dez anos.
Não acredito.
Acredite, é a pura verdade.
E você tem outra?
Várias, tenho várias. E não deixo nem uma na mão.
Haja energia.
Energia não me falta, mas da Bia enjoei. Dez anos, faz dez anos que não como ela.
Bem, com todo respeito, ela é uma mulher interessante, alguém deve comer.
É, alguém deve comer. Que ela e quem come ela tenham muito prazer. Amém.
Senhor Editor, belo trançado de diálogos, todos tratando daquilo que mais ocupa o ser humano e sem usar a palavrinha-chave. Parabéns. E não se pode esquecer a ilustração, muito boa.
ResponderExcluirVisitante.
Legal, Visitante, você mencionar a ilustração. É obra de minha amiga Célia Castro, professora de arte, pintora e desenhista, que de vez em quando joga um comentário aqui no BP. Palmas pra ela.
ResponderExcluirA fantasia do hotel de quinta é perfeita. Quem nunca desejou isso ? Fugir do padrão normal, dar asas à imaginação, sonhar, fantasiar mas ir ate o final. Executar.
ResponderExcluirAgradeço a citação. Fico feliz por participar de um texto tão especial como este.Que os leitores aproveitem cada palavra e ao final possam dizer: SEN SA CI O NAL!!!
ResponderExcluirTem que ser muito bom para dizer tudo isso sem cair no grotesco. Sensibilidade à flor da pele. Parabéns, Marco antonio.
ResponderExcluirLeio e releio e não sei qual dos textos eu gosto mais. O teatrinho é ótimo mas o hotel de quinta acendeu uma luz ...
ResponderExcluirna verdade a fantasia do hotel de quinta, citada pela Teresa, povoa o imaginário de muita gente que quer mas não põe em prática. Mas devia, devia ...
ResponderExcluirsão sensuais, eróticos e mexeram comigo.
ResponderExcluirMagaysíssimo, vou na onda da Célia Castro: SEN SA CI O NAL!!! O tópico que mais mexe comigo é o do menino e da menina se mostrando um pro outro. Quem na viveu uma cena assim ou parecida?
ResponderExcluirAbraço do saudosista Igor Avelino Soares Matoni.
Pois pra mim o melhor capítulo deste "Oito bocas..." é o que abre e encerra o texto. O marido que não transa mais com a mulher e que deseja tudo de bom pra ela e o "namorado" merece os maiores elogios. Ah, se todos os homens fossem assim!
ResponderExcluiro mais poético, sem dúvida, é o do menino e menina. A descoberta do amor, do sexo. Naquele exato momento a vida mostra a que veio e dá uma guinada irreversível.
ResponderExcluiro mais triste é o da Bia. Quando o amor não resiste ao tempo.
ResponderExcluirLuzia, me parece que o marido em questão só é magnânimo com a mulher e o amante dela porque esta relação é apenas uma hipótese (o amigo e ele dizem que alguém "deve" comer a Bia, "deve"), e sendo apenas uma hipótese, ele pode aparentar grandeza. Será que, se tivesse certeza, ele teria uma atitude assim tão desapegada? Tenho minhas dúvidas.
ResponderExcluirVisitante.
Gay, como ando muito ocupado, só agora pude ler a tua postagem. Como os amigos, gostei bastante mas acho que faltou um papo homo. Seria legal.
ResponderExcluirBeijos beijos.
Sugestão anotada, Cosme.
ResponderExcluirAbraço.
Ocupado com quê, Cosme ??? trabalho, amores ?
ResponderExcluirSenhor editor, tenho certeza de que não vai faltar uma história como ele quer.
Muito trabalho, Teresoca. Quanto a amores, nada ainda mas de vez em quando revejo o Leandro. Daí já viu é aquela loucura.
ResponderExcluirBeijos beijos.
Muito melhor viver assim, Cosme. Sem compromisso, sem exigências, sem cair na monotonia. Eu tento mas não consigo.
ResponderExcluirTeresa. Reconheço em você a mulher exigente, cheia de autoestima. Assim é que se fala mas chega uma hora que é preciso tomar uma posição. Ninguém pode viver assim, pulando de galho em galho. É preciso por o pé na terra.
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