Patinho, Rolha e Caruncho chegaram quase juntos ao colégio. Cumprimentaram-se ruidosamente e, como a maioria dos colegas, espremeram-se contra o paredão batido pelo sol fraco da manhã.
- Não aguento mais essa friagem – Caruncho meteu as luvas -, parece a Sibéria.
- Que férias – Patinho reclamou -, passei a maior parte do tempo embaixo do cobertor. Me esquentando e lendo, vocês já leram Jorge Amado?
- Prefiro Érico Veríssimo – Rolha, xenófobo. – Não gosto do Nordeste.
- Pior pra você. O Jorge tem cada cena! De derreter.
- E o Nordeste – Caruncho, viajado -, cada praia! Areia fininha e muita mulher. Todas moreninhas, nada a ver com essas branquelas daqui.
- Veja quem fala.
- Polaco desbotado. Parece albino.
- Por isso mesmo. Quando casar, vou pôr uma cor nas crianças.
- Já escolheu o marido?
Rolha e Patinho riram e se coçaram. Caruncho fez sinal de pego vocês na curva. Para espantar o frio, saltitaram e trocaram socos. De repente, sincronizados, como o Trio Irakitan, perguntaram cadê o Boca?
Caruncho: - Ele vai faltar já no primeiro dia de aula?
Patinho: - Assim, repete o ano.
Rolha: - Vai ser bem-feito.
Nem acabaram de falar, no alto da escadaria Boca, teatral, abriu os braços: - E agosto chegou/cuidem-se, mamíferos preguiçosos/a vida os matará.
Os três amigos o vaiaram.
- Fresco.
- Normalista.
- Mocinha.
Boca desceu os degraus aos pulos, atirou-se no meio dos cúmplices.
- Insensíveis, idiotas.
Nesse exato momento, Irmão Telmo passou por eles. Arreganhou seu riso de ameaça, vocês não se largam, pois na minha aula vão sentar separados. O Quarteto fez uma reverência, o senhor, Boca disse, é nosso mestre, nosso guia.
O Irmão, já lá adiante, os rapazes se abraçaram.
Kim Novak. Monumento de sensualidade, inspirava a juventude dos anos 50-60 na prática da "justiça com as próprias mãos" |
- E aí, Bocão, as férias?
- Sensacionais, estive no Rio de Janeiro.
- Carradas de mulheres?
- Milhões. E conheci uma prima, a cara da Kim Novak, vocês não têm ideia do que fizemos.
- Lá vem ele.
- O faroleiro.
- Tire a mão do bolso, deixe eu ver.
- Estão com inveja, não conto. Mudemos de assunto. Quem vence a eleição, Lott ou Jânio?
- Se eu tivesse idade de votar – Patinho, de família udenista – votaria no Jânio. Mas, mesmo sem meu voto, ele vai se eleger. É o próximo presidente da República.
- Que nada – Caruncho, pessedista de berço – o Lott ganhou uma espada de ouro.
Rolha, convicto: - Qualquer que seja o resultado, é tempo perdido. O Brasil só toma jeito no dia em que restaurarem a monarquia.
Boca, superior:- Pra mim, política é mistério. Entendo de poesia e de mulher.
Patinho esfregou as mãos: - Por falar em mulher, vamos ao sábado-dançante do Curitibano? Caminhões de brotos.
Boca não podia. Sábado, sua mãe fazia 40 anos e o dia seria de festa na família.
- Quarenta anos? – Patinho arregalou os olhos. – E ela vai comemorar?
- Velho – Caruncho balançou a cabeça – tem cada uma!
Os quatro afundaram sob arrobas de silêncio. O sino chamando para a primeira aula do segundo semestre os deprimiu mais ainda.
(Continua)
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Beleza, beleza – Fã do futebol de qualidade, muito mais do que torcedor do Botafogo, continuo – como milhões de brasileiros - boquiaberto com o jogo de quarta-feira entre Flamengo e Santos. Habituado a me deitar por volta das 11 horas, há tempos vejo apenas o primeiro tempo das partidas noturnas que, por acerto da TV Globo com a CBF, começam pouco antes das 10. Pois no dia 27 abri uma exceção. Os 45 minutos iniciais, fechados em 3 a 3, tinham sido tão bons que adiei a ida para a cama. E valeu a pena. A vitória do Fla (5 a 4) foi o de menos, o Santos poderia ter vencido. O de mais foi o espetáculo e, em particular, a exibição de Neymar, autor de um gol celestial. Não resta qualquer dúvida, esse garoto é da família de Pelé, quase tão gênio quanto o divino Crioulo (atenção, eu disse quase).
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Delícia - Pesquisa do Ibope mostra que 76% dos moradores do Rio se orgulham da cidade. Não gosto dessa história de orgulho, de modo geral acho bobagem, mas a verdade é que o Rio, com todos os seus problemas, é uma delícia. O prazer de morar aqui às vezes alcança intensidade sexual. Exagero? Sei lá, se for, salve o exagero.