sábado, 14 de maio de 2011

Papo de velho jornalista

      Conheço um jornalista que começou a carreira antes de a máquina de escrever chegar aos jornais cariocas. Depois precisou aprender a datilografar e, mais recentemente, a lidar com computador. Eu, quando comecei, a máquina de escrever já era conquista antiga. Novidade foi a máquina elétrica, que exige cuidado, tem-se que datilografar com suavidade, se não a tecla dispara e a letra se repete algumas vezes no papel.
Pois a máquina elétrica ainda não perdera o charme, eis que a informática entra com toda força nas redações. Jamais vou esquecer a imagem de uma colega diante do computador recém-instalado, as pernas esticadas sob a mesa, os pés apoiados na máquina – até há pouco moderníssima – deixada no chão para ser recolhida ao depósito.
Hoje cercado de computadores por todos os lados – computadores para a edição de texto, para a diagramação, para a edição de fotos – em certos momentos me pergunto: como se trabalhava antes?
Alargo a pergunta, como se vivia antes da revolução tecnológica? As coisas eram pão-pão, queijo-queijo: atividade bancária, no banco; compras, na loja; filme, no cinema. E assim por diante.
Falando em cinema, recordo uma discussão que consumiu muita pizza e muito chope, sobretudo nos bares vizinhos ao Cine Paisandu, templo da sétima arte nos anos 60. O tema, levantado se não me engano pelos Cahiers de Cinema, era o seguinte: com a popularidade da fita de vídeo (quem se lembra dela?), será mesmo possível a criação de cinematecas caseiras?
Sim, não, no Primeiro Mundo talvez – os cinéfilos se dividiam. Um dos mais respeitados críticos do Rio aprofundava a questão: “Cinema é cinema, sala escura e tela grande; televisão é televisão, luz acesa e bate-papo. Além disso o celulóide (quem se lembra dele?) tem uma doçura, uma maleabilidade  que a fita de vídeo jamais alcançará. Inadequada, portanto, ao exercício da sensibilidade cinematográfica. Concluindo, nada mudará.”  
Bonito discurso, péssima futurologia. Aliás, em qualquer área, dentro da tecnologia ou não, prever é se candidatar ao ridículo. Quem não era velho nos anos 70 se lembra bem da certeza de que o sexo livre, sem qualquer amarra, chegara para ficar, para libertar quem tivesse a coragem de jogar fora os tabus cultuados pelos pais e avós.
De repente, no início dos 80, estoura a aides* e a festa perde espaço. Surgem, quem diria?, principalmente nos Estados Unidos, movimentos em favor do amor casto, da solteirice com virgindade.  
Mas, voltando ao computador, dia desses encontrei aquele jornalista que estreou na imprensa do Rio antes da máquina de escrever. Apesar do peso da idade, ele estava animadíssimo: “Em breve”, disse, “haverá nas redações máquinas tão inteligentes que os jornais sairão sem um erro sequer.”
Pura ilusão do matusalém. O leitor que gosta de reclamar pode ficar tranquilo. Os jornais serão sempre imperfeitos. E indispensáveis.

*Por que continuar grafando Aids, se a essa altura já esquecemos que se trata de uma sigla? Virou nome, por isso proponho que se escreva aides, a inicial  minúscula, como de qualquer outra doença (câncer, tuberculose etc ) e, para aportuguesar a palavra, a inclusão da vogal e na segunda sílaba.

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Não ao cigarro - Estou completando 33 anos sem fumar. Aleluia, parabéns para mim. Eu era uma chaminé, fumava de duas a três carteiras diárias, até o dia em que, pegando no sono, acordei com o meu pigarro. Parei e transformei o lema Evite o primeiro trago, dos aocoólicos anônimos, em Evite a primeira tragada.
Sou contra toda catequese – religiosa, ideológica, sentimental – toda, menos uma, a antifumo. Irmãos, não fumem. É o vício mais porco, fedorento traiçoeiro e perverso que existe. Estou exagerando? Acho que não, mas, se estou, salve o exagero. É um vício tão demoníaco que, 33 anos depois, sei que, se acender um cigarro e tragar, corro sério risco de começar tudo de novo. Abaixo essa praga.

18 comentários:

  1. A primeira vez que eu vi uma Olivetti a gente nunca esquece. Pretinha de teclas de bordas douradas. Elas desciam e subiam ao toque. Parecia uma engenhoca e era. Ficava admirada de ver a agilidade com que minha mãe trabalhava nela. Quado errava era aquele corretivo branco, parecendo um esmalte. Voltava e batia novamente. Da elétrica pro computador foi um pulo. Mas o que eu gosto mesmo é da caneta em punho.De deixar no papel a sua marca indefectível. De mostrar a sua raiva, sua alegria, sua personalidade. Da escrita preguiçosa, desenhada. Não tem coisa mais linda que uma carta escrita à mão.

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  2. Pois eu, Teresa, cada vez gosto mais de lápis. Redigo meus textos, claro, direto no computador, mas para anotações ligeiras prefiro lápis. Caneta só pra assinar cheques e documentos.

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  3. Marco Antonio, boa tarde. A pedido do meu pai, dias atrás comecei a fazer na internet uma pesquisa sobre próstata e uma amiga me disse que tinha lido algo interessante a respeito num blog. Busca daqui, busca dali, chegamos a você. Li então o diário de tua cirurgia e, curiosa, li as crônicas que você postou depois. Este comentário é pra te fazer uma pergunta: por que um velho jornalista (não é como você se apresenta, velho jornalista?) ainda escreve tanto? Com o tempo não se cansou?
    Bom domingo, boa semana.

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  4. Ah, Maria José. Você tocou no ponto fraco de todo jornalista. Parar por que ? Quem é não deixa de escrever jamais. É a melhor forma de expressão. Bem, tou aqui respondendo por ele mas vc pode ter certeza de que a reposta é essa.

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  5. Maria José, há anos elaborei um conto com uma personagem chamada Maria José. Seja bem-vinda ao BP (alguém reduziu assim o nome do blog, e eu gostei, com a devida licença vou usar).
    Quanto à tua pergunta, não sei bem como responder. Mas digamos que escrever é um vício. Não tem gente que fuma ou cheira ou se pica ou se enche de remédio? Como tantos outros, sou viciado em escrever. Às vezes me sinto, sim, cansado mas o vício acaba vencendo. Deixar de fumar eu consegui; de escrever, não.
    Boa semana pra você também. E volte.

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  6. Magay, não foi "alguém" que chamou o teu blog só pelas iniciais, BP, fui eu, euzinha. A autoria é minha. Mas não estou chateada por você ter me esquecido, pode usar o BP à vontade, Você e quem quiser.
    Abraço, Luzia Matos.

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  7. Desculpe, Luzia, eu deveria ter vasculhado a lista de comentários para superar meu esquecimento. Não fiz isso por preguiça e pressa, erro duplo. Mais uma vez, desculpe. E obrigado por ter liberado o uso da marca.
    Beijo envergonhado.

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  8. Gosto de folhear blogues, Numa dessas, me deparei com teus textos, A última crônica é bem interessante,mas carrega algumas contradições fortes."Como se trabalhava antes?" Você sabe,foi teu mundo e, além disso, deu uma de futurólogo:"Os jornais serão sempre imperfeitos. E indispensáveis." Isso é se expor ao ridículo. Não acha? Evite a primeira tragada? Coisa de homilía de padre matusalém que não dá pra nada.O negócio é o amor casto e solteirice com virgindade? Pára com isso!!! Temos formas e mais formas de subir na asa sem escorregar! Seu papo está pra lá do Mosteiro de São Bento! Salve a vangurda! Elisa Aorelli

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  9. "Subir na asa sem escorregar." Gostei, Elisa. Agora, por favor, não leve ao pé da letra tudo que você lê (ou ouve). Isso é coisa de criança, e, acho, você não é mais criança. Abra espaço também para o pensamento abstrato, que nos enriquece

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  10. Esse papo Elisa/MA tá me cheirando a coisa antiga ... Folhear blog é estranho. A gente folheia revista, jornal mas essa de blog eu não conhecia. Sou da retaguarda da vanguarda mas adorei " subir na asa sem escorregar".Mil interpretações disso aí. Poder ousar sem se machucar. Tou na asa !

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  11. Querido,ingenuidade não me pertence mais. Ao contrário, costumo dar às palavras um sentido ambiguo, lato que muitas vezes causa um certo estranhamento. Acho que me equivoquei ao folhear tuas páginas. Na arquibancada há muito arigó-da-várzea. Mas,valeu o encontro. Textual.
    Continue,de tanto fuçar, suas construções vão se tornando cada vez mais interessantes e ricas. Daí,o nível dos expectadores muda.
    Um abraço,
    Elisa

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  12. Curiosidade pura:o senhor mora onde?

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  13. Concordo com a Elisa e espero que os expectadores mudem de lugar ...

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  14. a propósito: a nossa língua é riquíssima, transparente e não precisa de meias palavras ou que se dê a elas um duplo sentido. É ali, na lata. Vale o que está escrito.

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  15. Meu querido, a sua resposta é uma delícia:"Moro aqui,Elisa. No Brava Palavra." Como a riqueza das palavras constrói infinitos sentidos.Bravo, bravíssimo!

    Da arquibancada,bem longe dos arigós,
    Elisa

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  16. Curiosidade: O senhor já assistiu Bonnie and Clyde?

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  17. Não assisti. Não assisti na época do lançamento, depois não me reencontrei com o filme. E a senhora assistiu?

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