A cena ocorreu na Rua Buenos Aires, Centro, e eu assisti. Meio-dia, um grupo de curiosos cercava duas mulheres esfarrapadas, uma gorda, a outra esquelética. Elas discutiam aos berros, por pouco não se atracavam. A gorda falou mais alto:
- O menino é meu e tá acabado.
- Descarada – a magra retrucou. – Tu sabe que ele é meu filho.
Um barrigudo, de crespas costeletas, se intrometeu:
- Como que é teu se você é mulata escura e ele, branco?
- O pai dele – a mendiga explicou – era branco azedo, sangue de gringo.
O objeto da disputa, um menino de mais ou menos três anos, o nariz escorrendo, estava sentado no asfalto, entre as brigonas, inteiramente alheio à confusão em volta.
- O garoto – o barrigudo insistiu – deve saber de quem é filho. Ele que se manifeste.
- O pobrezinho – a mulata informou – não fala nem ouve. É surdo-mudo. Meu filho, podem crer.
- Mentirosa safada – a gorda acusou e cuspiu no chão.
A discussão não terminaria logo. Eu, com hora marcada, ia embora quando um homem de terno e gravata, rosto enrugado, curvou-se e ergueu o menino.
- Eu – disse – sei como resolver o problema. Sou juiz, vou levar o pequeno comigo. Tenho autoridade pra tanto.
A mulata abriu o choro.
- Não, pelo amor de Deus, não faz isso.
A gorda afinou:
- Se ele é autoridade, irmãzinha, a gente se ferramos.
- Não – a outra, desesperada -, não mereço.
O homem a olhou firme. E, num gesto leve e surpreendente, lhe entregou o garoto.
- Vai embora, leva teu filho.
A mãe disparou, o menino colado ao peito. A impostora pegou a direção oposta, também sumiu.
O barrigudo de costeletas bateu palmas.
- Gostei de ver, toma que o filho é teu. Gostei, me amarro em pessoas inteligentes, intelectas.
- Ora – o elogiado sorriu -, só copiei Salomão, Ele, sim, um homem inteligente... Bem, com licença.
Afastou-se. A roda de curiosos se desfez, ainda ouvi o barrigudo perguntar a não sei quem:
- E o dito Salomão, que apito apita esse tio?
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Outra de ignorância, historinha rápida, há anos contada e recontada no meio jornalístico:
O editor chegou para o chefe de reportagem, profissional dedicado mas de sólidos desconhecimentos. “Fulano, manda alguém ao aeroporto amanhã cedo, vem aí o jesuíta Arrupe, o Papa Negro.” Fulano, querendo mostrar serviço: “Deixa comigo, chefe, manjo esse crioulo.”
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Sábado de manhã, o salão de barbeiro cheio. Ruído de tesouras e navalhas, rumor de dedos folheando revistas de mulher pelada, papos de dois centímetros de profundidade, risadas maliciosas. E, dominando tudo, o rádio com música de última qualidade.
De repente, porém, muda a música. Agora, Gal Costa canta Dorival Caymmi. Em segundos, o salão silencia. O silêncio da emoção, do respeito.
Grande Gal.
Grande grande grande Caymmi.
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A menina, quatro aninhos, tantas aprontou que o pai lhe deu umas palmadas no bumbum. Ela choramingou, ele, sentindo-se culpado, tentou conversar: - Filha, por que você fez tudo isso?
A espertinha, toda caras e bocas: - Ah, pai, porque sou criança.
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Falando em criança, nada a escrever sobre a chacina na escola de Realengo. Pelo menos, por enquanto. O horror me trava.
Li no Globo a nota sobre o Brava Palavra e fiquei curiosa. Entrei e gostei. O texto sobre a cirurgia na próstata ficou ótimo e este sobre a briga das mendigas por causa de uma criança está delicioso. Pretendo acompanhar o blog.
ResponderExcluirBj.
Se entendi direito, você é a segunda Ana que deixa comentário no blog. Valeu.
ResponderExcluirEm tempo: você é Ana o quê?
Meu nome é Ana Gam. E mais não digo, vc não precisa saber.
ResponderExcluirConcordo, o importante é você acompanhar o blog.
ResponderExcluirTio Marco, é o Guilherme, filho da Léa, amigo da Antonia. Vi hoje a minúscula nota que saiu no O Globo sobre o seu blog. Meus parabéns. Adorei os textos. Vou poder acompanhá-lo agora. Abração
ResponderExcluirQue prazer, Guilherme, em ter você como meu leitor. Abraço pra Léa e pro Beto.
ResponderExcluirE pra você também, claro.
Grande Magay! Agora também na internet, sempre provando que "a vida é a vida". Simples assim. Fantástico assim. Saudades de você entrando pela porta do MP dizendo isso, saudades mesmo! Recebi seu e-mail há dias, mas eu queria ver seu blog com calma antes de te responder algo. Muito bom saber que vou poder acompanhar seu belíssimo trabalho. Sou orgulhosamente a sua primeira "seguidora" e, pelo visto, sou a 3ª Ana a visitá-lo por aqui. Tô com um site novo. Eu tinha três blogs e agora tô centralizando tudo num só. Vou deixar aqui o link pra você me fazer umas visitas de vez em quando:
ResponderExcluirhttp://quemtemmedodademocracia.com/
Bjs.
Pois é, Ana Helena, a vida...
ResponderExcluirAcho ótimo você aterrissar com calma para julgar melhor. E criticar quando achar que é hora de crítica.
Eu também vou acompanhar seu saite.
Beijabraço.
Gostei das historinhas rápidas.
ResponderExcluirbj T.
Ah, você gosta de rapidinhas?
ResponderExcluirBj.
Ótimas histórias... "grande grande grande papai".
ResponderExcluirbeijoca da filha Antonia
Antonia, ter você como leitora me enche de alegria.
ResponderExcluirBeijo do Ancião.
Testando fotos, hein ?
ResponderExcluirGostou?
ResponderExcluirGosto de rosa para homens.
ResponderExcluirTeresa, nada contra o rosa. Às vezes pode pegar bem.
ResponderExcluirTio Marco, adorei seus textos. Acho os temas cotidianos particularmente interessantes, especialmente quando escritos de forma tão gostosa e descontraída. Certamente continuarei acompanhando as atualizações do blog. Parabéns!
ResponderExcluirValeu, Ju. Fico muito feliz em ter você e outros amigos da Antonia aqui comigo. Continue presente.
ResponderExcluirBeijo.
Marco Antonio......fala sério !!! esta história eu manjo !!!!! kkkkkk
ResponderExcluirVc é mesmo o cara !!! escreve muito gostoso, livre,leve e solto......Parabéns pelas crônicas.