Um 1º de Maio perfeito, no céu sol de primavera, na rua o povo flanando. Instruído pelo funcionário do balcão de informações do aeroporto, fiz baldeação em Chatêlet e, agora na calçada da estação Odeon, mala e maleta nas mãos, eu não sabia se o Hotel de La Faculté , Rue Racine nº 5, ficava para a esquerda ou para a direita. No meu francês paupérrimo, perguntei a um rapaz alourado que direção tomar, ele não sabia. Me socorreu uma jovem oriental, creio que vietnamita, de francês pior que o meu: a Rue Racine era para a direita.
Na portaria do hotel, vagabundíssimo e baratíssimo, encontrei um sujeito moreno. Na minha terceira tentativa de formar uma frase, me perguntou em português de que cidade eu era, brasileiro ele também, se não me engano, de Santos. Deixei a bagagem no quarto, desci, me instalei no Café du Cluny, esquina de Saint Michel com Saint Germain, e, em êxtase, pedi um branco seco. Eram oito e tanto da noite, e o sol insistia. Comigo mesmo, brindei ao socialismo de François Mitterrand, que estava no início do seu primeiro mandato.
Dia seguinte levantei cedo, tomei café e procurei o Sena. Na cabeceira da ponte próxima à Notre Dame, abri o mapa da cidade, para onde ir?, uma senhora impecavelmente vestida se aproximou, me cumprimentou, perguntou se eu desejava alguma informação. Respondi que não, merci bien, ela se foi. Me emocionei, na minha primeira manhã em Paris alguém oferecia ajuda. Atravessei a ponte e me vi em frente ao Hotel de Ville (a prefeitura) e ao Ministério da Justiça.
Junto ao portal do ministério havia uma seta, Sainte Chapelle. Sem saber do que se tratava, mas intuindo que valia a pena conferir, entrei, comprei um tíquete e descobri uma capela maravilhosa, de dois andares, construída nos anos 1400, o Brasil nem existia, e iluminada apenas pela luz natural que furava os vitrais.
Nos sete dias seguintes, um quarto da excursão europeia que as férias me permitam, percorri Paris de norte a sul, de leste a oeste, por cima e por baixo, o mapa do metrô no bolso, dando prioridade, claro, ao Quartier Latin, o bairro boêmio e, no Quartier, aos bares recomendados por amigos, o Lippe, o Deux Magots, o Café de Flore, onde Hemingway, Sartre e vários outros tinham se embebedado e discutido literatura e filosofia. E ainda sobrou tempo para alguns museus, entre eles o Jeu de Paume, que na época abrigava os impressionistas, e o Louvre, com a Gioconda e a Vênus de Milo. Em resumo, roteiro típico de neófito.
Depois dessa iniciação, nas outras estadas na cidade, procurei, sempre a partir da Sainte Chapelle, incursões menos turísticas. E, parafraseando o poeta Paulo Mendes Campos que, embasbacado com a grandiosidade do À la recherhe du temps perdu, disse (cito de memória) “já li Proust não sei quantas vezes, mas será que li Proust?”, me pergunto: será que já estive em Paris?
É tomado por essa dúvida que sonho com a próxima ida (quando, quando?). Como nas anteriores, visitarei logo a Sainte Chapelle e, em seguida, passarei pela Rue Francisque Gay, perpendicular à Saint Michel, me perguntando se essa Francisque era parente do cônego Jean Pierre Gay, que no século 19, veio para o Brasil como missionário e, com a colaboração de uma índia paraguaia, teve dez filhos, um deles meu avô.
No vaivem de viajante sem obrigações, alheio aos cuidados a que normalmente me submeto, abusarei do bom vinho e da boa comida. E assim, gordo e indolente, mais marabá do que nunca (ao dicionário, ao dicionário), pensarei em, na volta, escrever uma crônica tão deslumbrada quanto esta.
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A arrumadeira do Hotel de La Faculté , Jaqueline, morava na banlieu (a periferia da cidade) e, graças ao metrô, chegava ao trabalho, no Centro, em meia hora. Privilegiada como os trabalhadores daqui, não é mesmo?
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Aos 99 anos, morreu Ernesto Sábato, um dos grandes escritores argentinos da atualidade e um símbolo da luta contra a ditadura dos assassinos fardados. O fim de semana começou triste.
Eu soube do blog bem no início, por uma notinha no jornal e, como gostei do nome, passei a lê-lo.Mas só agora tenho tempo de enviar um comentário e, infelizmente, começo em tom crítico: essa crônica sobre Paris, postada hoje, é o pior texto do BP.
ResponderExcluirO Magay aceita crítica?
Abraço.
Luzia (seja bem-vinda), li o que você escreveu e, morto de fome, fui almoçar para depois responder à sua pergunta. Pois a conexão com a internet caiu e demorou para voltar - voltou há pouco. Portanto, fiquei horas amordaçado.
ResponderExcluirAgora aí vai: é claro que aceito crítica, não sou babaca. Ou, pelo menos, acho que não sou, ou não sou a maior parte do tempo.
Aceito crítica e tudo o mais. Ou melhor, quase tudo. Só não aceito uma coisa: escrotidão, filhadaputice. Ainda mais se o/a autor/a usa o recurso - nesse caso, covarde - do pseudônimo.
Olha eu de volta. Luzia Matos, você foi boazinha. O texto sobre Paris, além de ser o pior do blog, é um texto ruim. Poderia ser o pior do blog, e não ser ruim. Mas é. Sinto muito, Magay, a crítica tem de ser completa.
ResponderExcluirBeijo da Ana Gam.
O texto é bom. Idéias bem agupadas, narrador ao ponto. Paris de um viajante que sabe escrever.
ResponderExcluirAbraço,
Beatriz
Fico pensando o que leva pessoas a criticarem tão furiosamente um simples texto de lembranças de viagem. Cada um lembra de uma maneira. Paris é mesmo um deslumbramento e dela só se pode falar com exatidão depois de visitá-la inúmeras vezes. Na primeira vc fica com essa imagem confusa, de atordoamento, de querer abraçar tudo de uma vez. Mas o foco é seu. O sentimento é seu . Vamos respeitar.
ResponderExcluirPara vocês, minhas sábias e equilibradas palavras: concordo com a Luzia Matos: "Será que já estive em Paris" é (até agora) o pior texto do blog; discordo da Ana Gama: não é um texto ruim.
ResponderExcluirAbraço gaúcho do apaulistado Igor Matoni.
Afinal, quem tem razão? Não sei, como autor me sinto incapaz de responder. De qualquer modo, quem sabe um dia consigo escrever sobre Paris um texto que agrade a todos? A cidade merece.
ResponderExcluirO erro é exatamente esse. Escrever para agradar.Vc acaba não sendo sincero e sabemos bem que não se´pode agradar a todo mundo. Já eu achei esse texto bem melhor que aquela loucura descritiva da operação. Tá vendo só ?
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