Depois de quatro dias de trabalho intenso em São Paulo , com palestras e reuniões até altas horas, no sábado cedo o executivo voltou para o Rio e encontrou a mulher na maior depressão.
- Péssima notícia, meu bem, prepare-se.
- O que houve? - ele já com cara de infeliz.
- Essa noite deu ladrão aqui em casa. Perdemos as jóias.
- Mas como?
- Eu estava dormindo, não percebi nada. Você sabe como eu durmo. E, mesmo que tivesse acordado, me fingiria de morta, não sou boba.
- Avisou a polícia?
- E adianta?
- Claro, temos de dar queixa.
- Não, pelo amor de Deus, você sempre diz que a polícia é inoperante e venal.
- E por causa disso a gente não se mexe? Eu falo em tese, ora, há muito policial honesto.
- Primeira vez que te vejo falar assim.
- De pressa, se arrume, vamos à delegacia.
- Aquele ambiente horroroso.
- Como você sabe?
- Por acaso, não leio jornal, não vejo televisão?
A contragosto, a mulher relacionou as jóias roubadas, mudou de roupa e acompanhou o marido. Foram atendidos com presteza e cavalherismo.
- Viu só? - o marido comentou na volta para casa. - Você e seus preconceitos.
- Pura sorte.
A sorte mesmo chegou na segunda-feira. O delegado os chamou, o ladrão e as jóias haviam sido localizados. A mulher chiou:
- Voltar lá é demais, vá você sozinho.
- Não tem sentido - o marido argumentou - você é que conhece bem as jóias.
O delegado os recebeu quase com fidalguia e começou a mostrar o material apreendido - uma pulseira de ouro e uma de prata, quatro pares de brinco, um anel de brilhante, um colar e uma corrente, um relógio de pulso masculino...
- Esse não - o marido falou - esse relógio não é meu.
É, não é, a mulher reclamou do calor, por que delegacia não tem ar refrigerado?, daqui a pouco eu desmaio. Como o executivo insistisse, não, o relógio não era seu, o delegado mandou buscar o ladrão na carceragem.
O sujeito - magrinho, desdentado, olhar de viés - não vacilou, sim senhor, levara o relógio, com as jóias ali expostas, do apartamento tal, edifício tal, Rua Fulana - em resumo, o endereço do casal queixoso.
- Não é possível - o marido, firme - você está enganado.
- Desculpe, doutor - o ladrão, convicto - mas tenho ótima memória. O relógio estava em cima do seu criado-mudo e o senhor dormia de cabeça coberta e roncava feito um, um...
- Eu dormia de cabeça coberta e roncava?
- Não leve a mal, doutor, cada um tem seu jeito de dormir. E roncar, até reis roncam.
Não tive mais notícias da mulher. Quanto ao ladrão, foi testemunha do marido no processo de divórcio.
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Apesar dos pesares...
O Reino Unido decidiu que, a partir de agora, o trono inglês será ocupado sempre pelo filho mais velho do monarca morto, mesmo que este filho seja mulher, ou seja, a princesa não mais cederá o lugar a um irmão.
E, na Tunísia, o novo governo reafirmou o respeito aos direitos humanos e prometeu que as mulheres não serão obrigadas a usar o véu islâmico.
Apesar dos pesares, o mundo melhora um pouquinho.
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No Brasil, a presidente Dilma Roussef sancionará duas leis importantes: a da criação da Comissão da Verdade, que investigará os excessos cometidos pelos donos do Poder contra os cidadãos, em particular os crimes do tempo da ditadura fardada; e a que, ao fim de prazos razoáveis, abre documentos sigilosos de Estado para o exame de qualquer interessado.
Apesar dos pesares, o país melhora um pouquinho.