sábado, 3 de setembro de 2011

Brasiliana

Em que momento o Peru se ferrou?, indaga Mario Vargas Llosa em Conversa na Catedral. Às vésperas de mais um 7 de Setembro, repudio o ufanismo oco, o cacoete de quem está no poder, e pego emprestada a pergunta do romancista peruano. Quando o Brasil tomou o caminho da perda? Já durante a primeira missa ou ao ser dividido em capitanias hereditárias? Às margens do Ipiranga ou com o golpe militar de 15 de novembro de 1889?
Quando, quando? Em que encruzilhada caímos na vereda cheia de pedras e desníveis? Em que situação a consciência do provincianismo incomodou tanto que passamos a repetir baboseiras como somos os maiores, conosco ninguém pode, nada como ser brasileiro?
O jeitinho, esse vírus invencível, ante que obstáculo o adotamos? Que ato de desumanidade provocou horror tão grande, que passamos a nos proclamar um povo cordial? Frente a que humilhação inventamos que somos livres de preconceitos?
Que manifestação de insegurança nos levou a nacionalizar Deus? Que presente nos frustrou a ponto de nos considerarmos o país do futuro? Um futuro jamais alcançado, ilusório como a linha do horizonte.
Pois diante desse nunca-chegar, cansado e descrente da ideia de que amanhã será melhor, faço um pequeno pedido aos nossos poderosos: não exagerem na mentira; mintam o estritamente necessário, só mesmo em casos extremos. Quem sabe assim, enfim nos aproximemos dos países mais bem-sucedidos, aqueles que, por inveja, desdenhamos.

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(Se, depois de ler o meu desabafo, você estiver papagaiando velhos lamentos do tipo ah, se tivéssemos sido colonizados pelos ingleses, ou nosso problema é esse povinho, cale a boca. Simplesmente, você não entendeu nada.)

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De qualquer modo, é inegável que os governantes de hoje, eleitos pelo voto popular, mentem menos (pouco menos) que os estrelados do regime militar, ainda tão próximo. Naquele tempo, enquanto nos porões os gritos dos torturados se multiplicavam, aqui em cima os palacianos diziam sem  gaguejar que o Brasil era uma ilha de calma e prosperidade. Ame-o ou deixe-o, os mais velhos se lembram. E, por favor, não esqueçam. Não esqueçam e, sempre que couber, ponham os jovens a par do terror de ontem.
Terror muitas vezes embrulhado no cinismo. “Nosso sonho mesmo”, me disse em plena tirania um brigadeiro linha-dura, “é voltar para os quarteis. Infelizmente, o povo ainda não nos liberou.” Coitado, morreu antes de o último general presidente deixar o Palácio do Planalto pela porta dos fundos.

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Hoje devemos pensar com menos pressa nos sem-Brasil, milhões de pessoas que vivem (vivem?) em circunstâncias muito piores que os sem-terra, os sem-teto etc. Os sem-Brasil, ou sem-tudo, não desfrutam da mais mínima cidadania. Não têm condição de comer nem um prato de farinha.

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Também é uma boa hora para lembrarmos Darcy Ribeiro: “Dói (cito de memória) perceber que um país privilegiado como o Brasil não deu certo. Como isso aconteceu, como?”

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Citando outro brasileiro de respeito, Vinícius de Moraes: Vontade de beijar os olhos de minha pátria/De mimá-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos.../Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias/De minha pátria, de minha pátria sem sapatos/E, sem meias, pátria minha/Tão pobrinha.

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Tadinhos
E os doutores do Judiciário estão contrariados porque o orçamento federal de 2012 não prevê reajuste salarial para eles. Tadinhos, sempre tão esquecidos, o governo só dá atenção aos aposentados do INSS.

       No mais, vale recorrer à Bíblia: “O rico comete injustiça e ainda reclama; o pobre é injustiçado e ainda pede desculpas.” (Eclo, 13,3)

22 comentários:

  1. O Brasil deu certo. Ele foi criado para ser assim, explorado.

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  2. David, o Brasil deles deu certo.

    O nosso Brasil - igualitário, popular, democrático e, acima de tudo, BRASILEIRO - ainda não... estamos na luta.

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  3. Me perdi no meio de tantas perguntas. Estou desconcertada, aterrorizada e triste porque não sei responder a nenhuma delas. Quase concordo com o David mas não quero acreditar nisso.

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  4. Patriotíssimo Magay. Me impressiona como você vai fácil do humor de Comeu? pro patriotismo de Brasiliana, parabéns deste seu leitor. Aproveitei e procurei na internet o poema de Vinicius de Moraes do qual você dá uma mostra pra gente, o título é Pátria Minha, que beleza, me emocionei e acabei assobiando o Ouviram do Ipiranga.
    Abraço do Igor Matoni, brasileiro dos pampas.

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  5. Bravas palavras, tristes, doídas, mas sentidas.
    Concordo com o belo texto, mas ao mesmo tempo, o Brasil está se aprumando, infelizmente no seu ritmo anacrônico, arrastado, e para variar trocando pneu com o carro andando. Como diz meu analista, da sua próprda "família", ningém escapa.
    Cristina Ayres

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  6. Gay, lendo Brasiliana me lembrei do meu tempo de quartel.Foi lá que eu senti que gostava de rapazes, vivi mil loucuras, mas ainda precisei de alguns anos pra finalmente me assumir, nesse período andei com várias mulheres pra me colocar no bom caminho. Bobagem, bom caminho é aquele que nos dá prazer.
    Beijo a todos.
    Antes que esqueça, um alô pra Teresoca: querida, aos poucos estou me reerguendo.

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  7. Acho que fui além da emoção, me calei... E foi um silêncio doido, sentido nas profundezas de um coração que sonhou, que sonha e que ainda vai sonhar.O que nos resta senão os sonhos? É deles que se faz a realidade. Parabéns a todos nós que lutamos por nossos sonhos e principalmente aos jovens que como a Antonia irá continua-los.

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  8. Meu querido editor, depois do impacto inicial do seu texto resolvi ler de novo. Ainda me doeu fundo. Fui pro jornal e percebi que, pelo menos hoje, o Brasil continua o mesmo. Mas o artigo do FHC é bonito de se ler. Sei que há esperança.

    Cosme, querido, precisa de ajuda ?

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  9. Sonhe, Antonia. Brasil popular, democrático, igualitário ???!!!! Bonito de dizer mas difícil de se acreditar. Isso cheira a um discurso petista daqueles bem ferozes. Esse sonho já foi meu mas a realidade é outra. Quero ter esperança. Preciso disso. Não quero ver a bandeira vermelha tremulando e sim a verde e amarela.

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  10. Teresa, sou apartidária. Também pra mim, os três adjetivos são verde-amarelos.

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  11. Ótimo. Melhor assim. O vermelho anda bem desacreditado e tem um cheiro forte de podridão.

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  12. A gente costuma achar bobagem essa história de pátria, mas anos atrás eu fui assistir um jogo de nossa seleção na Inglaterra e quando tocou o hino nacional eu me peguei chorando. Lá fora o patriotismo aflora.

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  13. Teresoca, só você perguntar se preciso de ajuda já me ajuda. Você é maravilhosa, eu te disse e repito, se eu gostasse de mulher...

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  14. Pois eu não acho bobagem essa história de pátria, procuro ser patriota sempre, me orgulho de ser brasileiro.
    Abraço auriverde do Igor Avelino Soares Matoni.

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  15. Mas vc não gosta, Cosme. E eu tbém não. Estamos quites ! seremos amigos fraternos.

    Luzia, se o patriotismo aflora é porque ele está dentro de nós. Também choro qdo ouço o Hino Nacional. Me dá uma vontade enorme de dar um abraço apertado na nossa terra e pedir perdão pelo que fazem com ela.

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  16. Sei não, mas tenho a impressão de que patriotismo é papo dos poderosos para enrolar quem leva o país para a frente, como diz uma velha marchinha de carnaval, é conversa pra boi dormir.
    Ana Gam, que nunca foi a uma parada de 7 de setembro.

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  17. Discordo plenamente, Ana. O patriotismo não vem dos poderosos mas lá de dentro de nós. O deles pode até ser direcionado para outros fins mas nós sabemos de verdade o peso e a importância das cores verde e amarelo. O que nos falta é liderança, organização e educação pra irmos às ruas e deixá-los de calça nas mãos.

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  18. Patriotismo ou não à parte, o texto do Editor está muito bem desenvolvido.
    Visitante.

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  19. Só porque ainda não postei comentário em Brasiliana, não vou deixar o 7 de setembro passar em branco: bom final de feriado a todos. Aos patriotas e aos não patriotas.

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  20. Magaysíssimo, parabéns pra nós dois pelo Botafogo e o Corinthians, um deles será campeão.
    Abraço do Igor Avelino Soares Matoni.

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  21. E parabéns ao basquete masculino do Brasil que está na reta final em Mar del Plata ! Amanhã tem final.

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