Nos anos 60 (bota tempo nisso), passei a acompanhar PG, colega de redação nas idas a um barzinho da Avenida Princesa Isabel (divisa de Copacabana e Leme), ponto de jornalistas, mulheres (a maioria, mulatas) que trabalhavam em shows de boate e um ou outro ator (e atriz) de algum nome. Entre esses, o de maior expressão era Grande Otelo, que tinha vivido o auge da carreira no antigo cassino da Urca e nas chanchadas de Atlântida, em dupla com Oscarito.
Cupincha de PG, ele costumava sentar-se à nossa mesa. Sóbrio, tinha boa conversa. Bêbado, ficava chato ou agressivo. Certa feita, porém, embora de pileque, apareceu doce e alegre. O fato, contou, era que Joaquim Pedro de Andrade ia filmar Macunaíma, o livro de Mário de Andrade, e o chamara para viver o herói sem nenhum caráter. Estava por demais envaidecido, não escondeu, afinal, ser dirigido por Joaquim, um dos expoentes do Cinema Novo, mostrava que não fora esquecido. Havia no entanto um problema, confidenciou, que precisava ser resolvido logo: ele não conhecia o livro e era imprescindível lê-lo.
“Eu tenho”, me adiantei, “te empresto”. Grande Otelo, o olhar iluminado, me apertou o braço, “sério, você me empresta”? Sim, confirmei, e o aperto no braço aumentou. Trocamos tapinhas amigáveis, combinamos quando eu lhe entregaria o livro. Pouco depois ele foi embora, PG bateu firme, como se Grande Otelo fosse seu desafeto: “Babaca, otário, você vai trazer o livro, o crioulo vai te devolver no dia 30 de fevereiro, esperto ele, por que não vai a uma livraria e compra?” Tomou dois goles, mudou o discurso: “Você não percebeu que o cara está bêbado?, aposto que essa história de filme com o Joaquim Pedro é lorota, lorota de bêbado, de ator que já morreu e não se conforma, você vai perder o livro por nada.” Dei de ombros, “dane-se, vou emprestar e pronto, prometi, vou cumprir.”
Se Grande Otelo leu Macunaíma, não sei. Sei é que me devolveu o livro. E, como todos vocês, sei também que ele brilhou no filme, grande filme do talentoso Joaquim Pedro de Andrade.
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Já que falei no filme de Joaquim Pedro, não posso esquecer de citar Paulo José, que fez o herói sem nenhum caráter em sua fase branca. Tendo começado como galã, Paulo José foi se firmando, até se tornar um dos nossos bons atores. Em Macunaíma, ele já se mostra afiado, pronto para batalhas maduras.
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O cão e sua dona
Gente na rua recolhendo - a mão metida em saquinhos plásticos - fezes de cachorro é comum. Espantoso é o que vi dias atrás: uma mulher limpava com um pedaço de papel higiênico (de boa marca, imagino) o fiote do seu querido cão. Ela obesa, cilíndrica, ele pequeno e fino; ela curvada, a bundarra para o sol, os dedos na futucação, ele compenetrado, senhor da calçada. Realmente, não há limites para o grotesco.
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A vaia
Ontem no Palácio do Planalto, na emocionante cerimônia de assinatura da lei que criou a Comissão da Verdade, que vai apurar a violação de direitos humanos durante a ditadura, houve momentos de aplausos entusiasmados. Só os três comandantes militares se mantiveram impassíveis. Como se estivessem sendo vaiados. E estavam, foi uma vaia interna. Tadinhos...